Nosso Lar

Antes de tudo, não confundam ressalvas a este “Nosso Lar” com críticas à doutrina espírita ou preconceito de qualquer tipo às crenças alheias. O objetivo deste texto é apenas tratar deste longa como obra cinematográfica, sem jamais dar qualquer conotação negativa à religiosidade de ninguém. Com tais considerações feitas, vamos em frente.
Escrito e dirigido por Wagner de Assis (do fraco “A Cartomante” e um dos roteiristas do inominável “Xuxa e os Duendes”), a fita tem a complicada tarefa de, ao mesmo tempo em que apresenta o espectador ao complexo mundo além-vida, contar uma narrativa coerente, que tem como protagonista o recém-falecido André Luiz (Renato Prieto). E nisso reside o maior problema do filme.
André Luiz é um médico e pai de família amoroso que, por conta de seus excessos, acaba contraindo uma doença e morre. No entanto, após falecer, André acaba se vendo em um lugar sombrio e devastado, repleto de seres malignos. Salvo por espíritos iluminados, André é levado para uma cidade espiritual chamada Nosso Lar onde, guiado por seu novo amigo Lísias (Fernando Alves Pinto), terá de se adaptar a esta nova etapa de sua existência, enquanto busca um modo de se comunicar com sua família.
Logo de inicio, o filme acaba com qualquer mistério quanto à situação de André através de uma narração em off do próprio personagem, que soa redundante com as imagens mostradas e que impede que o público acabe por se perguntar quem é aquele homem e como ele foi para naquele lugar horrível. Se o filme não lançasse mão de tal recurso, esta introdução seria muito mais instigante e orgânica.
A situação piora quando André chega a Nosso Lar, quando a maioria dos diálogos se resumem a explicar o funcionamento do lugar, com poucos momentos de desenvolvimento de personagem. É como se o primeiro ato do filme e boa parte do segundo fossem um longo tutorial para recém-chegados à cidade espiritual, com os diálogos expositivos quase não dando espaço para conhecermos aqueles personagens melhor.
Há ainda uma trama paralela que mostra a chegada da jovem sobrinha de Lísias, Eloisa (Rosane Muholland), à cidade e sua inabilidade de lidar com sua nova situação. Engraçado notar que a personagem é bem mais interessante que André e fica claro que as atitudes rebeldes da moça seriam bem mais efetivas para expor o funcionamento daquela comunidade para o público do que os questionamentos eternos de André.
A falta de sutileza do texto, já evidenciada pelo excesso de narrações em off e de diálogos expositivos, ainda marca presença em dois momentos-chave: quando André pergunta se é possível um espírito decair de volta para o limbo, o que acaba sendo mostrado no ato final da fita, tornando o referido diálogo completamente redundante, e nas menções ao “amigo na Terra”, que poderia ter sido feita de uma maneira bem mais orgânica.
O elenco parece um tanto quanto tenso, talvez desconfortável com o excesso de efeitos digitais em tela ou com a responsabilidade de levar uma obra de Chico Xavier às telas. A maioria dos atores, principalmente Renato Prieto e Fernando Alves Pinto, parece pouco à vontade em cena. Destaco aqui as exceções, dentre elas Paulo Goulart, que surge relaxado e tranqüilo na figura de um dos espíritos mais elevados de Nosso Lar. Rosane Muholland aproveita bem o seu tempo em cena e o temperamento arredio de sua personagem. Othon Bastos, em rápida participação, impõe o respeito e a serenidade que o governador de uma cidade como Nosso Lar exige.
Tecnicamente, o filme é um grande passo do cinema brasileiro rumo a um padrão de qualidade visual que chegue próximo ao de produções dos grandes centros cinematográficos. Os efeitos computadorizados estão ótimos e bem integrados com os elementos reais, embora a fotografia tenha me parecido um pouco escura demais em alguns momentos inoportunos.
O design de produção e a direção de arte da fita são inteligentes ao ligar o paraíso tecnológico ao próprio conceito das cidades espirituais, explicando o iHeaven que tanto me assustou nos trailers, e também respeitando a diversidade religiosa, vide a sala do governador de Nosso Lar, repleta de símbolos das mais diversas religiões, algo me lembrou a Igreja que surge no último episódio de “Lost”. Ainda ressalto a ótima trilha sonora, composta por Philip Glass, emocionante no nível certo.
Entre tantos acertos técnicos, é uma pena que “Nosso Lar” tenha um texto que não esteja à altura da mensagem de paz que deseja transmitir, se perdendo em meio a uma cacofonia de sermões e conceitos transmitidos com pouca naturalidade. O resultado disso é uma narrativa morosa e expositiva que, para o público médio, marcará mais por seus efeitos visuais que pelo impacto emocional.