Os Vampiros que se Mordam

É costume ligar a TV ou folhear uma revista no consultório do dentista e dar de cara com uma matéria sobre os benefícios fisiológicos do ato de rir de si mesmo. Autoconhecimento, ato civilizatório, demonstração de maturidade e equilíbrio mental são alguns dos atributos designados aos que zombam de suas próprias falhas. Sob esse prisma, prepare-se para vivenciar sua maior experiência de autocrítica em “Os Vampiros que se Mordam”.

Em menos de 100 minutos de projeção, o espectador avalia sua capacidade de raciocínio na percepção de referências óbvias aos figurões da cultura pop, sua aptidão na arte de suportar o insuportável e, mais que tudo, sua habilidade de riso. Tudo é motivo para rir: o dinheiro gasto na compra do ingresso (que nesse caso parece uma fortuna irrecuperável), o tempo desperdiçado, a disposição de atores para a realização do longa e o uso de recursos técnicos exageradamente amadores. A imperativa dualidade de opções também chama a atenção: ou você se esforça para rir, ou corre o risco de sofrer um ataque agudo no miocárdio.
Se insistir em tecer comentários sobre a qualidade da saga original é redundar o senso crítico comum, o mesmo não pode ser feito com a sua sátira. “Os Vampiros que se Mordam” precisa ser minuciosamente criticado, detalhadamente analisado, não por sua complexidade, mas pela sequência infinita de falhas e pontos fracos. E o problema começa pelo roteiro. A inspiração narrativa retirada da série “Crepúsculo” é involuntariamente guiada por um viés cômico, e incrementar tal humor com situações apelativas faz tudo parecer exagerado. O roteiro transborda casos de uso comum das produções do gênero, como as pancadas, quedas e objetos arremessados na cabeça dos outros.
Acompanhando as cenas básicas da série original, o time de atores tenta oferecer ao público algum carisma que compense a qualidade do filme. E se suas atuações não são dignas de premiações ao redor do mundo, a apropriação dos trejeitos dos personagens demonstra um esforço que merece ser citado. Jenn Proske, no papel de Becca (Bella Swan), soube utilizar todas as manias que tornaram a atuação de Kristen Stewart memorável. Está lá a tradicional mordida de lábio, o modo de colocar o cabelo atrás da orelha e as cenas em que a personagem esquece a boca aberta. O estranho é perceber que Proske parece menos exagerada com seus trejeitos do que a própria Stewart.
Infelizmente a caracterização dos atores é o único fator que coloca o filme em um patamar superior ao nulo. Sobre os demais aspectos, tudo o que pode ser dito não é suficiente para descrever seu fracasso. Além do roteiro, a direção também foi realizada pela dupla Jason Friedberg e Aaron Seltzer, veteranos em filmes do gênero (“Liga da Injustiça”, “Espartalhões”).  Em “Vampiros que se Mordam” o amadorismo da direção é constrangedor. Tudo é filmado de modo didático, como se qualquer ousadia pudesse confundir o público. Até mesmo os habituais recursos de profundidade de campo e as ações simultâneas de segundo plano foram deixados de lado. O público vê uma ação por vez, mesmo que ao lado dos personagens focalizados se desenvolva outra sequência importante.
Efeitos especiais, recursos de edição e sonorização também demonstram uma falta de profissionalismo que, se não fossem propositais, jogariam o filme em um ciclo imensurável de falhas.
O que ainda consegue arrancar boas risadas é a trilha sonora elaborada especialmente para a produção. Com referência explícita ao pop country de Taylor Swift, a protagonista desenvolve canções cômicas sobre o martírio de adolescentes alternativas e solitárias.
Em outras palavras, o potencial de “Vampiros que se Mordam” como um teste de autoconhecimento é limitado pelo número exagerado de falhas. Ao contrário do que dizem as revistas de consultório, é impossível rir de si próprio durante mais de uma hora quando a percepção do ridículo ultrapassa qualquer outro fator. Se você conseguir tal proeza, vai ter atingido o nível máximo de paciência e resignação. Boa Sorte.